Seguidores

1 de novembro de 2025

Eleições na Argentina — a ESMA e o bairro

  

Moradores do bairro de Nuñez, em Buenos Aires, passando em frente ao Espaço Memória e Direitos Humanos Ex-ESMA -Foto divulgação.

A Escola de Mecânica da Armada (ESMA) é o símbolo mais emblemático dos horrores da mais recente ditadura civil militar eclesiástica na Argentina. Naquele famigerado centro de detenção, tortura e extermínio encravado no bairro de Nuñez, na parte norte de Buenos Aires, foram cometidos crimes contra a humanidade que ainda hoje, mais de 40 anos depois do fim da ditadura, seguem sendo investigados e seus autores julgados nos tribunais argentinos.

Estima-se que cinco mil dos 30 mil argentinos sequestrados e desaparecidos pela ditadura passaram pela ESMA entre 1976 e 1983, incluindo 30 bebês nascidos em cativeiro e “apropriados” — sequestrados — pelos fardados e seus cúmplices de terno e batina.

Na chamada Mega causa ESMA, um dos maiores processos judiciais da história da Argentina, 62 genocidas já foram condenados por crimes de lesa-humanidade. No velho prédio da ESMA em Nuñez funciona hoje o Espaço Memória e Direitos Humanos Ex-ESMA.

O memorial foi criado em 2004, no governo Néstor Kirchner, a fim de contribuir para a consolidação de uma cultura democrática e de respeito aos direitos humanos na Argentina. Conforme a comunicação institucional da casa, “a existência material e espacial da ESMA é uma denúncia viva e uma prova dos crimes do terrorismo de Estado”.

Em março de 2023, o Espaço Memória Ex-ESMA lançou o projeto “A ESMA e o Bairro”, que tinha como objetivo investigar a relação histórica do bairro de Nuñez com a ESMA por meio de depoimentos dos vizinhos da ex masmorra; que buscava “dialogar com o ambiente urbano do Espaço Memória para reconstruir a história da antiga ESMA por meio da memória da vizinhança”.

Naquele ano, meses mais tarde, o então candidato à presidência da Argentina Javier Milei disse em um debate que “não foram 30 mil desaparecidos [pela ditadura], são 8.753”, citando um número burocrático que todos no país sabem ser brutalmente subestimado. Dias antes do segundo turno, a candidata a vice na chapa de Milei, Victoria Villarruel, disse que para a Argentina sair da crise, só com “tirania”, e botou o Espaço Memória Ex-ESMA na mira do motosserra mileísta: “a ESMA tem 17 hectares que poderiam ser desfrutados por todo o povo argentino”.

“A ESMA e o bairro”: em novembro de 2023, dos 37.342 moradores de Nuñez que saíram de casa para votar no segundo turno da eleição para a presidência da República Argentina, 59,5% — 22.235 pessoas — votaram na chapa Milei - Villarruel, índice superior aos 55,7% dos votos conquistados no total, em toda a Argentina, pela chapa negacionista dos crimes da ditadura.

Neste domingo, 26, o partido de Milei e Villarruel, A Liberdade Avança, venceu as eleições legislativas na Argentina com 40,7% dos votos. Em Buenos Aires, a vitória “libertária” foi de 47,4%. Na comuna mais populosa da capital federal, a Comuna 13, onde ficam os bairros de Colegiales, Belgrano e Nuñez — onde fica a Ex-ESMA — venceu com 56% dos votos o advogado “libertário” Alejandro Fargosi, cofundador, junto com Villarruel, do instituto negacionista da ditadura Centro de Estudos Legais Sobre o Terrorismo e Suas Vítimas.

Javier Milei votando neste domingo em Buenos Aires. Foto das Redes Sociais - Fotos Públicas. 

Alejandro Fargosi amealhou 81.854 votos na Comuna 13, quase 56 mil votos de vantagem sobre o peronista e ativista dos Direitos Humanos Itai Hagman e precisamente 71.168 votos a mais do que a candidata da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, a também ativista e também advogada Myriam Bregman, mas uma advogada bem diferente de Fargosi: Bregman atuou em vários casos contra os genocidas do “Processo de Reorganização Nacional” de Videla, Massera e Agosti, incluindo a Megacausa ESMA.

Memória? Parece que algo deu errado. 

Autor: Hugo Souza – Publicado no Site VioMundo.

“Democracias do mundo têm eleito cada vez mais negacionistas climáticos”, alerta Carlos Nobre

  

Foto Divulgação.

Para o cientista, a COP30, em Belém, será a mais decisiva da história e o Brasil pode liderar o esforço global contra o colapso climático. O climatologista Carlos Nobre, um dos maiores especialistas do mundo em mudanças climáticas, faz um alerta contundente: “As democracias do mundo estão elegendo cada vez mais políticos populistas e negacionistas do clima e isso representa um risco enorme para o planeta”. 

A afirmação ecoa como um aviso grave às vésperas da COP30, que será realizada em 2025 em Belém do Pará. Para Nobre, este será o encontro mais importante da história das conferências climáticas e talvez a última grande chance de impedir que o planeta ultrapasse o ponto de não retorno. Graduado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), Carlos Nobre foi pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e hoje é co presidente do Painel Científico para a Amazônia e professor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP). Na entrevista ao programa Brasil Sustentável, ele reflete sobre meio século de pesquisa e militância científica, o futuro da Amazônia e a urgência de uma transição energética global.

Desde o início da carreira, Nobre se dedica à floresta amazônica, paixão que começou em 1971, quando ainda era estudante do ITA. “Naquela época, a Amazônia era praticamente intocada. Hoje, está na beira do ponto de não retorno”, diz. Segundo suas pesquisas, toda a região sul da Amazônia já enfrenta estações secas até cinco semanas mais longas e 2 a 3°C mais quentes que há 40 anos. Se o desmatamento ultrapassar 20% a 25% da cobertura original e o aquecimento global chegar a 2°C, o bioma pode colapsar: “Entre 30% e 70% da floresta pode se degradar irreversivelmente até 2050”, afirma o cientista. Essa transformação liberaria mais de 250 bilhões de toneladas de carbono, comprometendo qualquer tentativa de limitar o aquecimento global a 1,5°C, meta do Acordo de Paris. “A Amazônia é um dos grandes pontos de não retorno do planeta. Se ela colapsar, entramos num ciclo de auto degradação que pode durar milênios”, adverte.

Transição energética é urgente no mundo

O pesquisador lembra que 7 milhões de pessoas morrem por ano devido à poluição urbana, resultado direto da queima de combustíveis fósseis. “Na Grande São Paulo, o diesel usado em ônibus e caminhões reduz a expectativa de vida entre dois e quatro anos”, diz Nobre, citando estudos do médico Paulo Saldiva, da USP. Além das cidades, as queimadas na Amazônia, Cerrado e Pantanal também afetam gravemente a saúde pública: “O fogo gera micropartículas de carbono que adoecem e matam. Só na Amazônia, mais de 150 mil pessoas são internadas anualmente por doenças respiratórias ligadas à poluição”.

Recentemente, Nobre esteve na China e se disse “impressionado” com a velocidade da transformação energética. “Em oito dias, peguei vinte carros de aplicativo, dezoito eram elétricos”, relata. “As cidades estão arborizadas, repletas de ciclovias e motocicletas elétricas. A qualidade do ar melhorou imensamente.”

Para o cientista, a China é exemplo de como políticas públicas podem reverter décadas de poluição. “Há 30 anos, Pequim era uma das cidades mais poluídas do mundo. Hoje, a expectativa de vida voltou a crescer, graças à eliminação de termelétricas a carvão dentro das áreas urbanas e à restauração florestal em mais de 100 grandes cidades.” No entanto, o país ainda enfrenta o desafio de depender fortemente do carvão, cerca de 75% da energia chinesa vem de fontes fósseis. Mesmo assim, Nobre vê um caminho promissor: “A China pode liderar a transição energética global. O que falta é o mesmo compromisso nas democracias ocidentais.”

“Como pode o país com mais ciência do mundo eleger um negacionista climático?”

O paradoxo que mais choca o cientista é o caso dos Estados Unidos. “É o país que mais produz ciência no planeta, onde estão os melhores centros de pesquisa climática. Como pode uma nação com tanta informação científica eleger um presidente negacionista?”, questiona.

“Mais de 66% dos americanos acreditam na mudança climática, mas ainda assim elegeram um negacionista. É um fenômeno que está se repetindo em várias democracias, inclusive no Brasil do governo anterior e da Argentina atual. Isso mostra que o populismo e o negacionismo andam juntos e colocam em risco o futuro da civilização”, alerta. Para Nobre, o negacionismo não é apenas uma opinião: é uma ameaça civilizatória. “Devemos superar ideologias e recusar candidatos que negam a ciência. O planeta não suporta mais retrocesso.”

Brasil pode zerar emissões até 2040

O pesquisador acredita que o Brasil pode assumir um papel histórico na transição global para uma economia verde. “Temos energia limpa, potencial florestal e tecnologia. O país pode zerar suas emissões líquidas até 2040 e ser o primeiro grande emissor do mundo a alcançar emissões zero”, afirma. Essa proposta está no centro do novo relatório “Brasil Net Zero”, que será lançado em novembro pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e do qual Nobre é um dos coordenadores.  Assista à entrevista completa e ative o lembrete para o lançamento do estudo “Brasil Net Zero”:

Ao fim da entrevista, Nobre propõe um gesto simbólico, mas poderoso: reflorestar as cidades. “São Paulo virou uma ilha de calor. Nos bairros sem árvores, a temperatura é até 10 graus mais alta que nas áreas de mata. Isso agrava as desigualdades e adoece a população. É essencial que todos plantem árvores.”

Lembrando da infância, ele conclui com um toque de afeto: “Quando eu era menino, todas as casas tinham quintais, árvores, jabuticabeiras. Precisamos recuperar essa relação com a natureza nas cidades e no planeta. É uma questão de sobrevivência.” 

Autor: Aquiles Lins: Site Brasil 247 – Entrevista concedida para Beatriz Bevilacqua.

No ritmo do algoritmo

A liberdade é determinada pelo algoritmo, eis o resultado de nossas escolhas modernas. Na minha timeline aparecem sites de literatura, de escrita criativa, de matemática, de curiosidades científicas e dos meus amigos mesmo, ou, ao menos, conhecidos ao longo da vida. Mas quando aparece algo inusitado, como uma propaganda da extrema direita ou um site de pseudociência vendendo cura quântica, eu fico preocupado se o algoritmo encontrou em algum clique meu, aquela tendência. Sim, somos produtos de nossas buscas frenéticas pelo mundo cibernético, queiramos ou não. Quando fiz a especialização em Jornalismo Científico, há oito anos, foi a primeira vez que fui apresentado ao poder computacional de ler nossas mentes e lábios. Se conversamos sobre um assunto próximo a uma dessas máquinas, não tarda para que apareçam propagandas com alguma referência ao que falamos. Se comenta que hoje pode estar chovendo e que não tem guarda-chuva, nem capa plástica de proteção, em alguns minutos aparecerá uma referência a site de previsão do tempo ou um anúncio de loja de acessórios, que pode ou não incluir um guarda-chuva. Surpreendente! 

Nas viagens sempre temerosas, agora, pelas redes sociais, incorporei alguma lentidão por esses dias e ignorei várias datas dessas duas, três semanas. A juntada de palavras para marcar o tempo ficou comprometida com minha própria condição física. A mente possui limitações que a próxima mente dúvida. Eterno pode ser o pensamento, mas as trocas fluidas para sinapses são limitadas. Pensamento esse que passo a ser regulado por algoritmos, não nos esqueçamos. Não sei se é a dosagem do remédio ou o ocaso que se aproxima, mas ficou difícil o registro instantâneo e frequente das passagens, fatos e correlatos. Mesmo assim, leio a bula da formulação do boticário e nada encontro. Ou melhor, encontro tudo, pois a farmacêutica responsável, cujo registro está estampado com nome e número, cobriu todas as possibilidades de insucesso da medicação para isentar de culpa quem fez a prescrição, desde pequenas indisposições gástricas até a falência de órgãos, passando por tonturas, sangramentos, perda de apetite (que não seria ruim para diminuir a cintura abdominal) e outras disfunções. Cada bula vira um tratado de medicina com possibilidades múltiplas a dar inveja ao Dr. House, seriado muito bom de assistir. 

A modernidade faz com que substituamos palavras à revelia da lógica. Outro dia a prestigiada revista Piauí usou algoritmo no lugar de logaritmo, aquela operação matemática maravilhosa que é o oposto da potenciação. A matéria tratava de crônicas irônicas de um século atrás e não prestaram atenção na transcrição da palavra, uma vez que o tenebroso algoritmo é bem mais recente do que os queridos logaritmos. Creio que assumiram o equívoco, pois publicaram carta com tal alerta; não sei se o material na versão digital foi corrigido por não ter acesso a ele. Os logaritmos me fizeram aprender a explorar todos os recursos de minha calculadora com quatro operações básicas, já relatado alhures, uma vez que o logaritmo da multiplicação dois termos é a soma dos logaritmos de cada termo. Porém, fico surpreso quando alunos do ensino médio relatam horrores quando adentram esse campo da matemática. Pode ser parte do problema geral de interesse pela aprendizagem que adentrou nosso sistema educacional. Entre as dúvidas dos algoritmos e as certezas dos logaritmos, fico com as últimas. 

Autor: Professor Adilson Roberto Gonçalves – Publicado no Blog dos Três Parágrafos.