Alvo de polêmica, o ‘tratamento precoce’, que inclui medicamentos como hidroxicloroquina, Azitromicina, Remdesivir, Anitta e Ivermectina, não é apenas ineficaz contra a Covid-19, como atesta a Sociedade Brasileira de Infectologia. Os ‘'Kits Covid'’ também têm feito com que pacientes cheguem aos hospitais com complicações decorrentes do uso das medicações.
A infectologista Clarissa Guedes, responsável pela enfermaria Covid no Hospital São Francisco, em Concórdia, diz que pelo menos metade dos pacientes que chegam para internação fizeram uso do ‘tratamento precoce’. Os kits têm receita médica e uma parte é de receituário controlado, como os antibióticos. As formulações também contêm corticoides e complexo vitamínico, com algumas variações. Nenhum desses medicamentos tem eficácia comprovada contra a Covid-19 - nem como uso preventivo, nem como tratamento de sintomas iniciais.
O paciente tem a ilusão de que está protegido, seguro, de que não precisa de acompanhamento médico, ou de que não está mais transmitindo. Essa falsa sensação de segurança pode levar a um pior desfecho. São muitos os pacientes na enfermaria e UTI do hospital que fizeram uso dessa medicação sem nenhuma melhora clínica, e evoluindo para a doença mais grave. – diz a médica.
Alguns dos medicamentos incluídos no ‘tratamento precoce’ podem ter efeitos adversos, como o agravamento de problemas cardíacos no caso da cloroquina, ou pancreatites causadas pelo abuso da ivermectina. O que mais preocupa, no entanto, são os corticoides:
Vários pacientes que usaram o tratamento precoce têm efeito colateral importante, como imunossupressão pela prednisona (corticoide que faz parte do 'Kit Covid'). São pacientes que provavelmente tiveram uma pior evolução pela corticoterapia precoce, com risco de pior prognóstico de progressão para doença moderada a grave.
A politização em torno do ‘tratamento precoce’, que foi recomendado pelo governo federal e respaldado por um grupo de médicos no Brasil, fez com que os especialistas que se recusem a adotar os coquetéis, por falta de evidências de eficácia, sejam atacados. Há relatos de ameaças virtuais e também reclamações em consultas, de pacientes que exigem o ‘tratamento precoce’.
Em 18 anos de infectologia, nunca havia passado por uma situação em que, em 10 meses, tratei 750 pessoas de uma única doença infecciosa. São 24 horas em função desse trabalho para receber esse tipo de comentário, de que somos assassinos, negacionistas, queremos ganhar dinheiro com a internação ou a morte das pessoas – desabafa Clarissa.
Remédios como a hidroxicloroquina e a ivermectina, ‘estrelas’ do ‘tratamento precoce’, foram alvo de pesquisas desde o início da pandemia. O médico Eduardo Campos, infectologista da Diretoria Estadual de Vigilância Epidemiológica (Dive), lembra que elas chegaram a ser testadas em Santa Catarina. Mas não tiveram resultado.
- Nossa expectativa era que alguma dessas medicações pudessem ser úteis para Covid. Todas falharam. Nós chegamos a prescrever, dentro de protocolos de estudo no Hospital Nereu Ramos e no Regional, de São José, cloroquina, azitromicina. Nenhum deles ao final mostrou efetividade.
A crença na cloroquina começou com uma hipótese levantada pelo médico Didier Raoult, na França - mas acabou questionada pelos cientistas. Ao redor do mundo a medicação, originalmente usada para tratar um tipo específico de malária, ganhou a companhia de outros medicamentos como a azitromicina, a ivermectina e as vitaminas. Era o que ficaria conhecido como 'Kit Covid'.
Na política, a cloroquina ganhou força quando foi defendido pelo ex-presidente dos EUA, Donald Trump, que acabou abandonando a estratégia tempos depois. A essa altura, já havia sido abraçada pelo governo Bolsonaro.
Com relação ao médico francês citado Doutor Didier Raoult, um dos principais defensores da hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19, mudou de posição e admitiu pela primeira vez que o medicamento não reduz a mortalidade da doença. As informações foram publicadas no site do Centro Nacional de Informações sobre Biotecnologia, da França, e divulgadas pelo jornal Le Figaro.
Não há nenhum tratamento profilático com eficácia e segurança comprovada cientificamente para a Covid-19. De acordo com instituições internacionais e brasileiras, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NHI, na sigla em inglês) e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, não existem, até o momento, medicamentos que comprovadamente reduzam o risco de infecção.
Muitos medicamentos vêm sendo testados como opção de tratamento preventivo e pós exposição da Covid-19. No entanto, nenhum teve benefício confirmado. É o caso da hidroxicloroquina.
Um estudo recente, conduzido pela Escola de Medicina Perelman, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, testou o efeito profilático da hidroxicloroquina para aqueles que ainda não foram expostos à Covid-19. O ensaio clínico randomizado, duplo -cego e controlado por placebo analisou 125 profissionais de saúde que atuam na linha de frente de combate ao coronavírus. Os pesquisadores concluíram que a ingestão diária da droga não reduziu o risco de infecção pelo novo coronavírus. A pesquisa foi publicada em 30 de setembro na JAMA Internal Medicine, revista médica da American Medical Association.
Em agosto, um outro estudo clínico, publicado no The New England Journal of Medicine, mostrou que essa medicação, fornecida por quatro dias, não foi capaz de reduzir a taxa de infecção por Covid-19 nos 14 dias subsequentes ao seu uso, quando comparada com placebo.
A insistência no Brasil se deve a uma questão político partidária de cunho rasteiro, raso e não científico. Inconformados pelo fato de Bolsonaro insistir com o uso da Cloroquina, seus seguidores começaram a espalhar vídeos falsos, levando desinformação a um nível impressionante, enquanto ao mesmo tempo se opunham a vacinação obrigatória.
Nunca em tempo algum, um político conseguiu “lavar” tantos cérebros com suas ideias absurdas emanadas em Lives no Twitter e nas suas aparições na porta do Palácio do Planalto.
Autor: Rafael Moia Filho – Escritor, Blogger e Graduado em Gestão Pública.
Fontes: NSC Total; Sociedade Brasileira de Infectologia; Agência Lupa; OMS
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