Quase 60% dos
cidadãos com direito a voto ainda não sabem se irão às urnas ou anularão
Autor: Juan Arias – El País
As eleições
brasileiras desde 2018, que despontavam como as de uma redenção
da velha política para dar lugar a um novo ciclo de maior democracia e
participação popular, aparecem, a menos de dois meses de ir às urnas, como as
do desencanto e até do medo. E da maior incerteza desde os tempos da ditadura.
O desencanto dos brasileiros tem
números: quase 60% dos
cidadãos com direito a voto ainda não sabem se irão às urnas ou anularão.
Até os candidatos que aparecem com maior consenso nas pesquisas apresentam, a
começar por Lula,
uma rejeição de 60%. É a primeira vez que, sem ele, que certamente não poderá
disputar as eleições por estar condenado em segunda instância, quem lidera a
corrida é um extremista de
ultradireita, ex-capitão do Exército que escolheu como vice um general da
reserva defensor da ditadura militar e da tortura. E pela primeira
vez disputarão as eleições mais de cem militares.
A esquerda, que tinha esperanças de
recuperar o poder, depois do inferno do impeachment de
Dilma e do desastre do Governo Temer, encontra-se
incapaz de se unir, paralisada pela incógnita de Lula ao não desistir da
candidatura, o que impediu seu partido, o PT,
de apostar num candidato progressista de outra agremiação, apoiado desta vez
pelos seguidores de Lula. A ordem é ou ele ou ninguém.
O centro e a centro-direita se
apresentam contaminados pela rejeição da sociedade, por se tratarem dos
partidos mais sacudidos pela corrupção e alvo das condenações da Lava Jato,
que de esperança de limpeza política se tornou uma incógnita e até fator de
desestabilização da política.
Se as eleições de 2018 se apresentavam
como esperança de início de um novo ciclo político que restabelecesse a
economia e abrisse novos espaços para as reformas que nenhum Governo no passado
teve a coragem de enfrentar, por serem impopulares, os brasileiros já olham
para 2022, ao darem por perdido este pleito.
Mais ainda, sobre estas eleições se
abatem já as nuvens negras de um novo impeachment caso Lula seja
impedido de participar, já que foi cunhado o slogan “eleição sem Lula é
fraude”, porque impediria 30% da população, a parcela que declara voto nele, de
escolher o seu candidato. Na outra margem, ecoa também slogan inverso: “Eleição
com Lula é fraude”, já que a lei da Ficha Limpa o
impede de concorrer.
O máximo que os analistas políticos se
atrevem a profetizar é que nunca, nos últimos 20 anos, uma eleição foi, semanas
antes de ser disputada, tão incerta e com tanto desencanto e até medo, dois
componentes dos quais o Brasil não necessita neste momento, com mais de 14
milhões de desempregados, uma economia fragilizada e o recrudescimento da
violência com um triste balanço de 63.000 homicídios anuais, a maioria de
jovens negros e pobres.
Tudo perdido? Não. A sociedade
brasileira, apesar da crise política que a sacode, é viva e conta com uma
democracia ameaçada, mas consolidada, e não perdeu a esperança de dar vida a
uma substituição que, se não parecer possível desta vez, continua em
germinação, porque junto com o desencanto pelos políticos não morreu a vontade
por uma renovação que acabe com a velha república dos privilégios e das castas,
para dar à luz uma nova primavera de democracia e bem-estar.
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