"Coca-Cola
ocupa 61% do mercado de refrigerantes. AmBev ocupa uma parcela de 19%. E é
justamente o diferencial de concorrência causado por uma tributação desigual
que tem ampliado o monopólio das gigantes."
Grandes empresas do setor de bebidas
vêm concentrando esforços para a derrubada do Decreto 9.394/18. A medida reduz de 20% para 4% a alíquota de IPI do concentrado para
refrigerantes.
O mais confuso nessa história é
compreender o porquê de grandes empresas brigarem por altas alíquotas de
impostos. É justamente isso que acontece com os insumos para refrigerantes
produzidos no Polo Industrial de Manaus (PIM).
As fábricas do Polo são isentas do
IPI. Por isso, a alíquota que incide sobre o concentrado define o volume dos
créditos de impostos repassados às fábricas que o adquirem.
Quando essa alíquota era alta, altos
também eram esses créditos. Para cada R$ 100 de concentrado adquirido do PIM,
R$ 20 em descontos fiscais eram repassados adiante. Com a alíquota a 4%, esse
valor é reduzido. E é aí que mora a insatisfação das multinacionais.
As engarrafadoras da Coca-Cola
instaladas no Sul do País, como a CVI e a Vonpar, são abastecidas com o
concentrado produzido em Manaus. São 4.300 km de distância entre o PIM e
engarrafadora da Coca-Cola em Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Essa lógica só é vantajosa pelo que a
Receita Federal chamou de "planejamento tributário abusivo" no seu
Plano Anual de Fiscalização de 2018. O documento está disponível na seção
de Auditoria Fiscal do órgão.
Destaco
abaixo um trecho:
É a partir desse arranjo que essas
empresas conseguiram R$ 2 bilhões em créditos fiscais em 2016 para
serem abatidos em IR e CSLL (Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido). Foi o que apresentou o subsecretário de Fiscalização da Receita
Federal, Jung Martins, em audiência pública no Senado para debater a tributação
dos concentrados.
Monopólio e influência
Há 13 anos, a Associação dos
Fabricantes de Refrigerantes do Brasil (Afrebras) identificou essas fraudes e
propôs a união de indústrias regionais de bebidas em prol de uma entidade que
pudesse representar uma contrapartida legítima ao poder econômico e político
dessas grandes empresas.
Nunca pensamos que seria uma luta
fácil, mas o cenário que nos levou a assumir uma postura propositiva e
combativa aos benefícios descabidos das multinacionais há mais de uma década é
hoje ainda pior. A Afrebras apurou, com dados da Relação Anual de Informações
Sociais/Ministério do Trabalho, que 160 fábricas de refrigerantes de pequeno e
médio porte fecharam de 2006 a 2016.
No país da Tubaína, Coca-Cola ocupa
61% do mercado de refrigerantes. AmBev ocupa uma parcela de 19%. E é justamente
o diferencial de concorrência causado por uma tributação desigual que tem
ampliado o abismo entre o monopólio das gigantes e o encolhimento da indústria
regional.
A história que os gigantes de bebidas
decidem contar para reaver esses créditos é cheia de alarmismos e números
flutuantes. Escondem, inclusive, os esforços da Receita Federal em barrar as
práticas de superfaturamento do concentrado, com autuações que chegam à ordem
dos bilhões.
Falam dos 15 mil empregos diretos
ameaçados. Desafio à comprovação de tal número. Esse balanço de empregos
diretos não condiz com qualquer dado oficial. Nem da Superintendência da Zona
Franca de Manaus (Suframa), nem do IBGE, nem de qualquer outro órgão.
Falam também que o decreto que reduziu
a alíquota do concentrado extrapola a competência do Poder Executivo. O que não
é verdade. A medida não criou nem majorou imposto. Apenas reajustou o IPI do
concentrado. Não havendo, portanto, desrespeito ao Código Tributário Nacional,
nem à Constituição.
Diante dessa inconsistência de
argumentos, levanta-se outro debate urgente: a falta de estudos detalhados e de
gerenciamento dos incentivos fiscais concedidos.
Como comprovar uma contrapartida
eficiente para os R$ 2 bilhões em créditos fiscais concedidos às fábricas de
concentrado instaladas na Zona Franca de Manaus?
Em um país onde a tributação pesa
justamente no consumo, no bolso do consumidor, não é responsável - para se
dizer o mínimo - conceder tamanha vantagem concorrencial a empresas que
desequilibram o mercado (forçando empresas menores a fecharem ou a se venderem
às gigantes) e que direcionam os seus lucros para Atlanta, nos Estados Unidos.
O desejo da indústria regional de
refrigerantes, representada pelo Guaraná Mineiro, Grapette e Laranjinhas
espalhadas pelo Brasil, não é a debandada de empresas estrangeiras do solo
nacional.
A diminuição dos créditos de IPI
dessas gigantes é uma questão de justiça e de isonomia, tanto para o setor
de bebidas quanto para os cofres públicos.
Com o mínimo de cuidado e de
responsabilidade para com a coisa pública, é fácil compreender que a "bolsa
refrigerante" da Coca-Cola e da AmBev não cabe no orçamento de um
país que tem como maior desafio de gestão o fim de uma grave crise fiscal.
Autor: Fernando Rodrigues de Bairros, presidente da Afrebras.
**Este
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https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/09/temer-cede-a-pressao-e-restitui-parte-do-beneficio-a-refrigerantes-em-2019.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/09/temer-cede-a-pressao-e-restitui-parte-do-beneficio-a-refrigerantes-em-2019.shtml
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