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6 de março de 2017

Queremos mesmo continuar sendo o país do carnaval?

Somos sim o País do Carnaval, o País da libertinagem carnavalesca. No outro lado da mesma moeda, somos agora também o país da libertinagem política. 
Alexandre A. Loch Psiquiatra, é coordenador de pesquisas no Hospital de Clínicas de SP.


Carnaval, tempo de festa, de alegria. Confete, serpentina, álcool, purpurina, fantasia, samba. Oriundo do Cristianismo ocidental, o festival realizado antes da Quaresma envolve elementos circenses e é impregnado por um senso de sátira social e inversão de regras e normas do dia a dia.
O Carnaval brasileiro tem tamanha força que acabou contagiando a imagem do País tanto para os nativos quanto para os estrangeiros. "O Brasil é o país do carnaval". E pesquisadores acabaram confirmando que é isso mesmo.
Ranjan Bandyopadhyay e Karina Nascimento, da Universidade de San Jose, na Califórnia, estudaram a imagem que o Brasil tem para turistas estrangeiros. Através de levantamento de informações históricas e da coleta de materiais promocionais de agências de turismo, observaram que o País é vendido lá fora majoritariamente como um lugar sensual e selvagem. Características em boa parte das vezes incorporadas na ideia do Carnaval.
A origem deste "Brasil carnal" é uma mistura de herança histórica e reforço comercial realizado pelas agências de turismo. Segundo os pesquisadores, o imaginário popular estrangeiro sempre foi permeado pela ideia de que o País seria um paraíso na Terra, de beleza humana e natural extraordinária.
Esse imaginário pode ser visto percorrendo o tempo ao longo dos séculos desde as cartas de Pero Vaz de Caminha até os dias de hoje, quando analisamos inúmeros outros documentos históricos. São estereótipos e clichês que foram transmitidos de geração a geração, construindo uma coleção de sinais e símbolos representando um Brasil bárbaro e lascivo.
Essa imagem ganhou corpo com a criação da EMBRATUR durante o governo militar em 1966. A agência reforçou esse conceito histórico para o estrangeiro de modo a atrair turistas e investimentos externos para o País.
Configurando uma espécie de neocolonialismo, o País começou a ser vendido como lugar de erotismo, de liberdade sexual e de realização de sonhos. Desta forma, em um ciclo vicioso, o turista tendia a reafirmar imagens preconcebidas e ignorar qualquer coisa que não se encaixasse com tais ideias.
A propaganda se tornava então uma profecia autorrealizável, reforçando cada vez mais a imagem. A versão de 2008 do Lonely Planet traz, por exemplo, os seguintes dizeres sobre o Brasil: "Por centenas de anos o Brasil foi simbolizado como uma fuga para um paraíso tropical, primitivo, provocando a imaginação de todos como em nenhum outro país da América do Sul. Da paixão insana do carnaval à imensidão da Amazônia, é um país de proporções míticas: quem é mais selvagem, a floresta ou o povo?”.
Era comum (e ainda é) que hotéis no Rio de Janeiro mostrassem em seus catálogos fotos de mulheres seminuas em trajes carnavalescos ao lado das imagens dos quartos. A propaganda de turismo sexual culmina, ao final dos anos 90, com o fato alarmante de que o Brasil era um dos países que mais exportavam prostitutas para outros países, tanto para a Europa quanto para a América Latina. Também estávamos entre aqueles com maior taxa de prostituição feminina do mundo.
Na virada do século o governo brasileiro se deu conta da imagem estereotipada e degradante que passava para o exterior e criou o Ministério do Turismo, tendo como uma das principais missões mudar essa impressão. Mas já era tarde, pois a imagem já estava enraizada no imaginário popular internacional.
Brasil, o país do Carnaval. Este conceito também não é algo totalmente exógeno, estranho a nós. Não é algo simplesmente imputado por outrem. Como acontece com qualquer povo, muitos acabam incorporando os estereótipos que circulam na sociedade. Trocando um pouco as palavras da segunda frase do texto, para explicitar o lado ruim do carnaval: exageros, desrespeito, selvageria, incivilidade.
Uma liberdade excessiva que acaba passando por cima dos outros. Libertinagem. Basta ver os casos de violência à mulher que acontecem nesta época. As cartilhas distribuídas em Recife ensinando um homem a tratar uma mulher (as cartilhas são ótimas – a necessidade delas é algo vergonhoso).
Basta ver os bairros pós-blocos de carnaval, imundos e cheirando a urina. Os furtos, as depredações, as brigas, os acidentes nas estradas por conta de gente bêbada. Na mesma medida, basta ver os escândalos de corrupção. Libertino: aquele de conduta desregrada, livre de qualquer senso moral.
O País da Lava Jato. Um bloquinho com Cabrais, Cunhas, Garotinhos, Delcídios, felizes, alegres, com o dinheiro alheio. Desfilando durante todo o ano nos palcos políticos do País. Mas agora, na cadeia.
Esperamos que um dia esta imagem nossa possa mudar. E um bom ano a todos, já que 2017 só começa agora.

*Este artigo é de autoria de colaboradores do HuffPost Brasil e não representa ideias ou opiniões do veículo. Mundialmente, o Huffington Post é um espaço que tem como objetivo ampliar vozes e garantir a pluralidade do debate sobre temas importantes para a agenda pública.

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