Imagino quanto
os políticos brasileiros teriam
a aprender com
o papa em humildade e dignidade
Ruth de Aquino
Num ano em que o Brasil fez mal ao
fígado e o mundo foi atacado com crueldade pelo terror islâmico, um hermano
argentino de quase 80 anos nos encheu de esperança na humanidade. O papa
Francisco pode até dizer, a cardeais e bispos, que continuará a “reforma da
Igreja”. Modéstia. Francisco é um revolucionário. E por isso elegeu a corrupção
como um dos maiores males a combater. Não só a corrupção alheia. Ele substituiu
o conselho do Banco do Vaticano. Enquanto viver, não quer mais testemunhar
desvios do dinheiro destinado à caridade.
Francisco sabe o que diz. Sabe como
dizer. Sem papas na língua, amedronta os “duros” no Vaticano. Aqueles que se
agarram a uma “autoridade divina” para manter regalias e continuar acima do bem
e do mal. Nosso papa sabe como conquistar católicos e não católicos para sua
cruzada utópica. Porque sua palavra é a palavra da paz, da tolerância, do
diálogo entre opostos, mas também do combate às guerras. E, por tudo isso, é
reeleito Personagem Mundial e Líder do Mundo por diferentes organizações em
diversos países.
O papa Francisco jogou por terra a
imagem dúbia e conservadora que o Vaticano muitas vezes projetou sobre o mundo,
ao cobrar a punição de todos os religiosos que cometeram pedofilia. O papa é
pop e tem um sorriso contagiante. Sua falta de medo deriva de sua bondade e de
sua confiança no outro. E também de uma profunda perspicácia da diplomacia
internacional e dos grandes temas que nos afligem, dentro e fora de nossas
casas.
Escreveu uma encíclica sobre o meio
ambiente, algo que jamais moveu os sumos pontífices anteriores a um mero
pronunciamento. Sua palavra de amor e compreensão a todos que não se encaixam
nas regras, sejam homossexuais, transexuais ou mulheres que se submeteram a um
aborto, causou ondas de espanto no Vaticano e no mundo. Aí está, pensamos nós,
um ser extraordinário.
“Temos de derrubar muros e construir
pontes.” Essa é uma frase favorita do papa Francisco – o primeiro na História a
convidar um imã (líder religioso muçulmano) a subir com ele em seu papamóvel.
Seu nome de batismo é Jorge Bergoglio.
Imagino quanto os políticos brasileiros, que gostam de ser fotografados nas
missas e nos cultos, teriam a aprender com este papa! Em humildade e em
dignidade. Ele rezou uma missa nas Filipinas no meio de um tufão – protegia-se
com uma capa amarela, como se fosse mais um na multidão de fiéis. Quando foi
aos Estados Unidos, andou num carro Fiat 500. Sempre, nos lugares mais
perigosos ou em momentos conturbados, aproveitou para se misturar aos pobres,
carentes e desassistidos. Aos deficientes físicos, às crianças, aos velhos.
O papa não para. Suas viagens em 2015
o levaram a 11 países de quatro continentes. Países em conflito ou simplesmente
países esquecidos. “Por favor, não temos direito a permitir mais outro fracasso
neste caminho de paz e reconciliação”, disse ele, sobre as negociações para um
acordo de paz na Colômbia, entre as Farc (Forças Armadas Revolucionárias) e o
governo. Seu voo histórico entre Santiago de Cuba e Washington mostrou sua
fibra, a fibra de um homem comum – em toda a santidade embutida nesta
expressão: “Um homem comum”.
No dia de seu aniversário de 79 anos,
17 de dezembro, o papa decidiu canonizar madre Teresa de Calcutá, a quem se
atribui a cura milagrosa de um engenheiro brasileiro que sofria de um câncer
terminal no cérebro e hoje vive com saúde, aos 42 anos. Madre Teresa é um
símbolo da Igreja que o papa Francisco defende, mais comprometida com os pobres
e com os que sofrem.
Madre Teresa foi até as “periferias da
existência”, uma expressão usada por Francisco para se referir a todos os
abandonados, que sobrevivem à margem das sociedades. Na periferia material,
estão seres humanos sem casa, sem educação, sem saúde, sem dignidade. Na
periferia afetiva, estão os drogados, os deprimidos, os sós. Quantas vezes
passamos por doentes da alma sem um olhar de mero reconhecimento de sua
existência. Sejam eles de nossa família ou estranhos.
Francisco foi o primeiro papa a ter a
coragem, no mês passado, de denunciar o falso espírito do Natal num mundo em
guerra. “Teremos luzes, festas, árvores luminosas e presépio. Tudo falso: o
mundo continua fazendo guerras. O mundo não entendeu o caminho da paz. Em todo
lugar existe guerra hoje, existe ódio. O que permanece de uma guerra? Ruínas,
milhares de crianças sem educação, vários mortos inocentes e muito dinheiro no
bolso dos traficantes de armas.”
Vida longa ao papa! Que o Brasil passe
a honrar sua população e não deixe grávidas e doentes sem assistência, barrados
nos hospitais, numa crueldade sem nome. Que sejamos todos melhores no próximo
ano.
Ruth
de Aquino é uma jornalista brasileira e escreve para a Revista Época
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