Nós fomos falar de literatura, mas
esperávamos que a discussão migrasse para a proposta de fechamento das 92
escolas estaduais em São Paulo, o impeachment, a crise hídrica e outros temas
espinhosos do noticiário. No entanto, a conversa que eu e os amigos escritores
Fabrício Corsaletti, João Paulo Cuenca, Chico Mattoso e Paulo Werneck tivemos
com os alunos de uma das 196 escolas ocupadas, no último domingo, não poderia
ter sido mais diferente do que imaginávamos.
"Alckmin" foi pronunciado
uma vez só, e por mim. A política, nesse sentido menor, mesquinho, que vem
sendo praticados pelo país nos últimos 515 anos, passou longe e a literatura
foi apenas o veículo que nos levou ao que realmente interessava: a Política com
P maiúsculo, no sentido que os atenienses deram ao termo 2.400 anos atrás e que
estes alunos e alunas da rede pública vêm resgatando desde que entraram em suas
escolas de manhã cedinho, há quatro semanas, e não saíram mais.
Dormem por lá, cozinham, tomam banho,
fazem faxina, reparam infiltrações e recebem mais atividades extracurriculares,
nestes 30 dias, do que em toda a vida escolar. "A gente nunca tinha tido
um debate aqui", disse uma das alunas. "Esse ano, todo mês eu tentava
trazer alguém, mas a diretora proibia." Desde a ocupação, com a ajuda de
voluntários, organizaram shows, aulas de geografia, física, culinária, ioga,
dança, teatro, improvisação, quadrinhos, música, debates sobre dívida pública,
questões de gênero e a lista continua.
Em uma hora e meia, não ouvimos nenhum
desses clichês de Facebook sobre a roubalheira petralha ou a privataria tucana.
As questões saltavam o estéril Fla-Flu e aterrissavam no solo bem mais fértil
da experiência cotidiana. "A gente só teve poesia no terceiro colegial, pro
vestibular." "Os professores entram, botam tudo na lousa e
acabou." "A diretora fica vários meses viajando e quando aparece não
tá nem aí." "Encontramos três mesas de som, tela, tinta, um monte de
papéis a que a gente não tinha acesso.”.
A ocupação começou contra a proposta
de fechamento de 92 unidades de ensino (já adiada pelo governo), mas no
processo os alunos descobriram questões mais importantes. Que as escolas não
precisam ser ruins. Chatas.
Abandonadas. Que "público"
não é do governo e tampouco de ninguém, mas deles. Aprenderam por si sós
–"fazendo arroz pra cem negos" e decidindo, em assembleia, se o
cigarro seria ou não liberado, lá dentro (não)–, talvez a lição mais importante
que se pode levar da escola: que são donos dos próprios narizes e responsáveis
pelo mundo em que vivem. Agora, se perguntam: se com pouca idade e experiência
eles conseguem administrar aquele espaço tão bem, por que o Estado mais rico da
oitava economia do mundo não consegue?
No fim do papo, uma garota do terceiro
colegial nos falou: "O que eu mais queria era tá no primeiro, pra poder
estudar três anos nessa escola do jeito que ela vai ser daqui pra frente,
depois da ocupação". Me deu um baita nó na garganta: ainda não sei se foi
pela esperança que essa experiência me traz num momento tão trevoso da história
nacional ou se pela tristeza de ver que a única resposta que o país parece ter
para os anseios destes meninos é soco, cassetete, bomba e gás lacrimogêneo.
Antonio
Prata É escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles 'Meio
Intelectual, Meio de Esquerda' (editora 34). Escreve aos domingos.
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