Até os mais
pobres estão mais preocupados com a corrupção dos poderosos do que com a
própria economia, algo que só seria concebível em países com velhas raízes
democráticas.
Será verdade que, como injustamente se
divulga no exterior, os brasileiros estão divididos em tudo? Que nada é capaz
de unir os cidadãos de um lado e do outro do arco político? Há dois brasis
irreconciliáveis em tudo? A julgar pelos resultados da última pesquisa nacional
do Datafolha,
a resposta é não.
De acordo com essa pesquisa, quem
aposta em um Brasil dividido em tudo deve se sentir frustrado. Existe um tema
que vem incendiando a opinião pública nos últimos anos e que se intensificou
com a condenação e prisão de Lula: o apoio à Lava Jato, cuja continuidade é defendida por 84% dos brasileiros. Apenas
insignificantes 12% acham que deve terminar.
O Brasil todo parece unido na luta
contra a corrupção e contra as tentativas de “estancar a sangria”, sonho de
tantos políticos e poderosos e até mesmo de boa parte do Supremo Tribunal
Federal. Entre esses 84% que querem que a Lava Jato continue
estão, por exemplo, 77% dos eleitores de Lula, algo que o PT, que acusa a
Justiça de ser seletiva com seu partido, deveria explicar se de fato a grande
maioria de seus eleitores também defende essa cruzada contra a corrupção.
Outro dado importante de uma pesquisa
anterior do Datafolha confirma que os brasileiros concordam, quase
unanimemente, que a Lava Jato deve seguir seu caminho: em 22 anos, é a primeira
vez que a corrupção é a maior preocupação do país. Não é a violência? Não. A
corrupção já preocupava quatro vezes mais em 2015. E a educação? Também não.
Preocupa quatro vezes menos que a corrupção. Não seria economia, ou o desemprego, a maior
preocupação dos brasileiros? Não, a corrupção preocupa cinco vezes mais. E a
saúde, a angústia das filas nos hospitais? Nem isso. A corrupção interessa duas
vezes mais que a saúde.
Será que os pré-candidatos
à presidência tomaram consciência de que a sociedade como um
todo, pobres e ricos, continua a favor da luta contra a corrupção? E os
governadores, senadores e deputados que pretendem ser reeleitos? Terão
percebido excelentíssimos magistrados do Supremo que a única coisa que parece
unir os brasileiros é a luta contra a corrupção, e quase 60% defendem a prisão
após condenação em segunda instância sem esperar pelos recursos a instâncias
superiores? E que a grande maioria é contra o foro privilegiado?
Sabemos que mais de um magistrado
disse não entender o que significa a voz das ruas e que lhes interessa mais a
letra da lei que no seu espírito, que é o que deve ser levado em conta quando
se trata de julgar indivíduos de carne e osso. Não é segredo que, no Brasil,
antes da Lava Jato, a Justiça procurava ser humana e respeitosa com os
condenados importantes, para quem a presunção de inocência deveria ser sagrada.
O condenado sem nome tornava-se, por outro lado, um número frio e sem alma.
Um povo que foi capaz de metabolizar
sem dramas nem tumultos a prisão de
Lula e dos grandes industriais do país acusados de corrupção
talvez seja mais solidamente democrático e socialmente mais saudável do que uma
minoria exaltada se esforça para negar. Se for esse o caso, é uma injustiça
grave apresentar, no exterior, um Brasil à beira de um descarrilamento
democrático, um golpe militar ou uma guerra civil, como vi escrito em jornais
sérios. É injusto porque é falso. O que o mundo deve saber é que, no Brasil,
até os mais pobres estão mais preocupados com a corrupção dos poderosos do que
com a própria economia, algo que só seria concebível em países com velhas
raízes democráticas.
Às vezes, chego a pensar que este país
pode até dar uma reviravolta na teoria de Murphy, segundo a qual “se algo pode
dar errado, dará”. Talvez seja capaz de interpretar essa lei pessimista
mudando-a para o lado positivo: “se algo pode dar certo, dará”. E se nas
próximas eleições, apesar de todo o pessimismo, acabar, por exemplo,
acontecendo o melhor?
Autor:
Juan Arias – El País
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