O Atlas Histórico do Brasil, da FGV,
identifica os políticos mineiros como "'raposas políticas', hábeis na
negociação, espertos, porém prudentes, preferindo o cochicho ao discurso
inflamado, o diálogo à conspiração". Segundo o folclore político, Magalhães Pinto
e Tancredo Neves –fundadores do Partido Popular– cochichavam quando conversavam
em público.
O senador Aécio Neves (PSDB-MG), neto de
Tancredo, caiu em desgraça política por fazer inconfidências ao celular em diálogos
gravados pelo empresário-delator Joesley Batista, do grupo JBS. Aécio foi afastado por decisão do ministro Edson Fachin, relator dos
processos da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal.
O
episódio que levou à prisão de sua irmã, Andrea Neves, encerra um ciclo de
poder do senador mineiro à frente do PSDB -como definiu a Folha.
A
julgar pelos antecedentes da Lava Jato e pela influência política de Andrea nas
administrações tucanas em Minas, a força-tarefa deve apostar numa delação
premiada que traga à tona antigos e novos fatos relevantes.
Em
sua coluna na Folha, neste domingo (21), Janio de
Freitas diz que "Aécio se torna um dos senadores mais
apreciados por procuradores e juízes: seis inquéritos –um por suborno e fraude
na construção da Cidade Administrativa em seu governo mineiro, outro por
suborno na construção de usinas hidrelétricas, três por caixa dois, e o de
Furnas. Aguarda-se o sétimo".
"Em
Minas Gerais, nos quase oito anos em que Aécio Neves foi governador
(2003-2010), um naco significativo do poder no Estado, talvez até mesmo
excepcional, esteve nas mãos de Andrea Neves, irmã mais velha de Aécio",
afirmou o jornalista Lucas Figueiredo, em seu blog.
Segundo
Figueiredo, ela "comandava com mãos de ferro o núcleo de comunicação
(imprensa + publicidade + marketing político) e se fazia ouvir, com muita
facilidade, nas secretarias de Estado, nas estatais e nos órgãos públicos
locais".
A
alegação de que o governo do Estado atuava para cercear a liberdade de imprensa
foi tema de campanha do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, em 2004.
O
sindicato pediu ao Ministério Público Federal a apuração de suposta
interferência do governo estadual em veículos de comunicação, atribuindo o
afastamento de alguns jornalistas a pedido de Andrea Neves, então coordenadora
do Grupo Técnico de Comunicação do Governo.
O
jornal do sindicato divulgou desmentido de Andrea. Ela afirmou que "o
governo de Minas jamais pediu a cabeça de qualquer jornalista e nunca
interferiu na linha editorial dos veículos de comunicação social do
Estado".
Um
dos motivos que explicariam o abalo causado pela divulgação das delações dos
irmãos Joesley e Wesley Batista é o fato de que demorou para as investigações
do Ministério Público Federal atingirem o epicentro dos acordos e negócios
tucanos em Minas Gerais.
VALERIODUTO
Se
o mensalão tucano tivesse merecido a mesma atenção que recebeu o mensalão
petista —da mídia, do Ministério Público e do Judiciário–, possivelmente os
desdobramentos dos dois episódios não chegariam à crise atual, mesmo
considerando a desproporção dos valores envolvidos nas duas operações.
Em
agosto de 2012, Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e
professor da FGV-SP, publicou artigo na revista "Época" sustentando
que, "no mesmo momento em que os petistas e aliados eram pegos com a boca
na botija, também se descobriu que o valerioduto fora inventado pelos tucanos
mineiros.
Isso
reduziu o impacto do discurso moralista e mostrou que nenhuma das forças
políticas relevantes do país era formada por santos".
O
mensalão tucano foi considerado o laboratório do mensalão petista. Alguns
personagens centrais e instituições atuaram nos dois casos, como, por exemplo,
o publicitário Marcos Valério e o Banco Rural.
Jackson
Romanelli - 1º.fev.2013/Agência O Globo
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||
O
publicitário Marcos Valério, envolvido no escândalo do mensalão
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Em
dezembro de 2015, na sentença que condenou o ex-governador mineiro Eduardo
Azeredo (PSDB) a 20 anos de prisão pelo mensalão tucano, a juíza Melissa
Pinheiro Costa Lage registrou que o mensalão petista talvez pudesse ter sido
evitado "se os fatos aqui tratados tivessem sido a fundo investigados
quando da denúncia formalizada pela coligação adversária perante a Justiça
Eleitoral".
O
Ministério Público Federal sustentara que a frustrada campanha à reeleição de
Azeredo, em 1998, foi alimentada com recursos da Copasa (Companhia de
Saneamento de Minas Gerais), Comig (Companhia Mineradora de Minas Gerais) e
Bemge (Banco do Estado de Minas Gerais), captados a título de promoção de um
evento esportivo, o "Enduro da Independência".
Segundo
a acusação, a SMP&B, agência de publicidade de Valério levantou empréstimos
junto ao Banco Rural para aplicar na campanha de Azeredo, e essas dívidas
teriam sido liquidadas com recursos públicos.
O
empresário Clésio Andrade, que foi vice-governador na primeira gestão de Aécio,
era sócio de Marcos Valério [alegando problemas de saúde, Clésio renunciou ao
mandato de senador pelo PMDB-MG].
A Folha revelou como funcionava em 1998 o esquema de
pagamentos feitos por Marcos Valério a seu advogado e amigo, Rogério Tolentino,
na época juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais.
Tolentino
recebeu dinheiro do valerioduto durante a campanha de 1998, quando Eduardo
Azeredo (PSDB) tentou, sem êxito, a reeleição. Atuando como juiz eleitoral, ele
votou favoravelmente ao candidato tucano em decisões com datas próximas a
depósitos em sua conta e na de sua mulher.
Tolentino,
como se sabe, viria a ser um dos réus condenados na ação penal do mensalão.
Em
2004, a agência de Marcos Valério ainda atendia ao governo de Minas. Fez ampla
campanha publicitária para comemorar e divulgar os programas "Déficit
Zero" e "Choque de Gestão", carro-chefe da administração de
Aécio Neves.
Em
meio ao aparato publicitário, o Ministério Público Federal moveu ação
civil pública para obrigar o governo de Minas a aplicar
em serviços públicos de saúde o percentual imposto pela Constituição.
DINHEIRO
MAQUIADO
Em
2006, durante a campanha para a reeleição, a coligação que apoiou Aécio tentou
suspender a reprodução de uma reportagem da Folha na propaganda
eleitoral do petista Nilmário Miranda, pretensão que foi negada pelo Tribunal
Regional Eleitoral.
O
jornal rompera o silêncio da imprensa mineira e revelara que o governo Aécio
Neves fez maquiagem contábil nas prestações de contas de 2003 e 2004 para
esconder a não aplicação de recursos em serviços de saúde nos percentuais
determinados pela Constituição.
O
governo contabilizara como gastos em serviços de saúde para a população
despesas com a erradicação da febre aftosa e outras doenças de animais;
exposições agropecuárias; precatórios e saneamento (cujos serviços são
tarifados).
"Houve
uma maquiagem escandaloso do dinheiro que deveria ter ido para a saúde e não
foi", sustentou o então procurador regional eleitoral José Jairo Gomes.
Procurador da República, ele foi o autor de uma ação civil pública para obrigar
o governo de Minas a aplicar em serviços públicos de saúde como manda a lei.
Na
ocasião, o atual senador Antônio Augusto Anastásia (PSDB-MG), ex-secretário de
Planejamento e Gestão de Minas, sustentou que "o governo Aécio Neves teve
suas contas aprovadas, sem nenhuma única ressalva pelo Tribunal de Contas do
Estado, em todos os exercícios financeiros de sua gestão, inclusive quanto às
despesas executadas na área de saúde".
Em
janeiro de 2014, o Ministério Público mineiro desistiu de uma ação de
improbidade administrativa contra o senador, acusado de ter maquiado a
aplicação de recursos em saúde quando era governador de Minas Gerais. Com isso,
o processo foi extinto pela Justiça de Minas.
Em
março de 2014, um editorial da Folha tratou da "aventura
judicial" de Aécio Neves, então pré-candidato do PSDB à Presidência da
República, que requereu na Justiça "que sejam removidos das redes sociais
e dos sites de busca da internet os links e perfis que ligam seu nome a temas
como uso de entorpecentes e desvio de verbas públicas".
Doug
Patricio/Brazil Photo Press/Folhapress.
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Irmã
do senador Aécio Neves, Andrea Neves, acompanhada de agentes da PF chega ao
IML de BH
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A
iniciativa, segundo o editorial, serviu para "apontar o despreparo do
candidato ou de seus assessores para a convivência democrática
contemporânea".
O
advogado de Aécio Neves, José Eduardo Alckmin, afirmou que o parlamentar está
"inconformado e surpreso" com as acusações de que teria pedido R$ 2
milhões a Joesley Batista para pagar sua defesa na Operação Lava Jato e com a
determinação de seu afastamento do mandato. Ele confirmou o pedido, mas disse
se tratar apenas um empréstimo pessoal e que houve uma
"descontextualização" da fala de Aécio na gravação.
O
advogado Marcelo Leonardo, defensor de Andrea Neves, disse que uma relação de
caráter privado foi usada por delator da JBS como forma de obter benefício. "O
que podemos adiantar desde logo é que uma relação de caráter pessoal, privada
[entre Aécio e Joesley], sem nenhum vínculo com a administração pública ou
qualquer atividade pública, seja dela seja do irmão, foi utilizada por uma
pessoa que estava em negociação de delação para obter benefício". Caberá à
Justiça definir a responsabilidade dos irmãos Neves nos fatos dos quais são
acusados.
Autor: Jornalista Frederico Vasconcelos
Folha
de São Paulo
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