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26 de novembro de 2010

A morte da Justiça anunciada pelos sinos

Mais uma vez tomo a liberdade de me ater a um excelente texto do inesquecível José Saramago, escritor da humanidade que nasceu em Portugal. Trata-se de um texto lido na Cerimônia de encerramento do Fórum Social Mundial de 2002, chamado “Este mundo da injustiça globalizada”.

O texto descreve um fato notável ocorrido na vida camponesa no Século XVI nos arredores de Florença na Itália. Estavam os camponeses a trabalhar em suas casas e no cultivo, entregues a seus afazeres quando de súbito se ouviu soar o sino da igreja. Naqueles piedosos tempos os sinos tocavam várias vezes ao longo do dia.

Mas causava estranheza que o sino tocava em virtude de um falecimento e ninguém havia falecido naquela aldeia que pudesse fazer com que o sino assim soasse. Todos saíram às ruas, mulheres, crianças, homens que deixaram as lavouras e em pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja.

Instantes depois para surpresa de todos os presentes, um camponês aparece e não era o sineiro. Diante da indagação dos camponeses, o homem afirmou que na ausência do sineiro ele havia tocado o sino. Mas quem morreu então pergunta um camponês? Não morreu ninguém, ao menos ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei o sino em virtude da morte da Justiça, pois a nossa Justiça está morta.

Aqui no Brasil no ano de 2020 temos a exata sensação daqueles camponeses do século XVI, o sentimento inabalável de que nossa justiça no Brasil morreu. Ela é velada diariamente por gente humilde, por ricos nababescos, por todos enfim, numa prece continua e de muito sofrimento para a nossa Nação.

Ela morre a cada dia e não renasce, pois quando respira ofegante e condena, por exemplo, um médico a cumprir pena de 278 anos, no mesmo momento antes dele sair do tribunal algemado, já está solto, para permanecer em liberdade enquanto seu advogado consegue um lindo recurso para que o monstro da medicina possa ficar em casa sossegado aguardando assim como o criminoso Pimenta Neves seu recurso sair da gaveta do judiciário.

A justiça morre quando percebemos que os trabalhadores são tratados de forma desigual e desumana pela justiça trabalhista que deveria a princípio defender os direitos do trabalho.

Outro dia o STF reformou uma sentença aonde o trabalhador havia vencido por unanimidade. A empresa havia entrado com embargos declaratórios e mesmo assim obteve ganho de causa, quando o aludido instrumento não serve para esse propósito.

As pessoas menos favorecidas nem sabem que a justiça existe, pensam que ela morreu no século dezesseis como no texto de Saramago. Isto por que a população sabe que mesmo que cometessem o mesmo crime pessoas pobres e pessoas ricas têm direitos diferentes dentro das mesmas leis e dos mesmos tribunais.

Os mais humildes sabem que jamais poderão pagar um advogado para defendê-los nas instâncias superiores em Brasília, assim como o fazem deputados, empresários e a casta nobre do país.

Nossa justiça pende para um lado da nação, nossa justiça se contradiz nos seus processos empoeirados que traduzem a perversa lógica do quanto pior melhor para ela, que agoniza, que morre e que não renasce. A espera do resultado de processos por décadas é o atestado de óbito de uma justiça que morre todos os dias no Brasil.

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