No fim de janeiro de 2016, a Polícia
Federal deflagrou a 22ª fase da Operação Lava Jato, cujo alvo foi o escritório
de advocacia e consultoria panamenho Mossack Fonseca. Os investigadores
suspeitavam que a empresa teria ajudado a esconder a identidade dos verdadeiros
donos de um apartamento tríplex no balneário do Guarujá (SP). Agora, a
investigação jornalística internacional Panama Papers revela
que a relação da Mossack Fonseca com a Lava Jato transcende, e muito, o
apartamento no litoral paulista.
A mais ampla reportagem global sobre
empresas em paraísos fiscais, conduzida por 376 jornalistas de 109 veículos
jornalísticos em 76 países, indica que a Mossack Fonseca criou offshores
para pelo menos 57 indivíduos já publicamente relacionados ao esquema de
corrupção originado na Petrobras.
Os nomes dessas pessoas são citados em
uma fração do acervo de mais de 11,5 milhões de documentos relacionados à
Mossack. A força-tarefa da Lava Jato só teve acesso, até agora, aos papeis do
escritório brasileiro da firma panamenha. Esta reportagem do UOL fez
a análise do material global, em dezenas de países. A série Panama Papers, que começa a ser publicada neste domingo
(3.abr.2016) é uma iniciativa do ICIJ (Consórcio
Internacional de Jornalistas Investigativos), organização sem fins
lucrativos e com sede em Washington, nos EUA. O material está sendo investigado
há cerca de 1 ano. Participam desse trabalho com exclusividade no Brasil
o UOL, o jornal “O Estado de S.Paulo” e a RedeTV!.
As informações são originais, da base
de dados da Mossack Fonseca. Os dados foram obtidos pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung e
compartilhados com o ICIJ. Saiba como
foi feita a
série Panama Papers. Os documentos mostram a existência de, pelo menos,
107 empresas offshoreligadas a personagens da Lava Jato –firmas até agora
não mencionadas pelos investigadores brasileiros que cuidam da Operação Lava
Jato.
A Mossack operou para pelo menos 6
grandes empresas e famílias citadas na Lava Jato, abrindo 16 empresas
offshores. Nove delas são novas para a força-tarefa das autoridades
brasileiras. As offshores são ligadas à empreiteira Odebrecht e às famílias
Mendes Júnior, Schahin, Queiroz Galvão, Feffer (controladora do grupo Suzano) e
a Walter Faria, do Grupo Petrópolis.
Entre os políticos brasileiros citados
direta ou indiretamente estão o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
e o usineiro e ex-deputado federal João Lyra (PTB-AL). Todos terão suas
histórias detalhadas ao longo dos próximos dias nas reportagens da série Panama
Papers. O Blog procurou todos os mencionados na reportagem. Parte
preferiu não se manifestar. Outros negaram irregularidades. Leia aqui as
respostas de cada um deles.
Ter uma empresa offshore não é ilegal,
desde que a empresa seja devidamente declarada no Imposto de Renda. Leia
aqui sobre
as condições para um brasileiro abrir uma empresa num paraíso fiscal. A seguir,
algumas das revelações dos Panama Papers a respeito de personagens da Lava Jato:
NESTOR
CERVERÓ E EDISON LOBÃO
Alguns papeis da Mossack Fonseca
corroboram informações já dadas por delatores da Lava Jato, com desdobramentos
sobre o mundo político. Ajudam a compreender de maneira mais ampla os
tentáculos da rede de propina e dinheiro ilegal que circulou por empresas em
paraísos fiscais e contas secretas no exterior.
Em delação premiada, o ex-diretor da
Petrobras Nestor Cerveró disse ter recebido ordens do senador Edison Lobão
(PMDB-MA) para não “atrapalhar” um investimento do Petros, fundo de pensão da
estatal petroleira, no banco BVA.
O BVA pertence a José Augusto Ferreira
dos Santos, um “amigo” de Lobão, segundo Cerveró. Agora, os Panama
Papers mostram que Ferreira é sócio
de João Henriques,
uma pessoa tida como operador do PMDB, em uma offshore e em uma conta na Suíça.
Essa é uma informação que ainda não era de conhecimento da força-tarefa que
atua a partir de Curitiba (PR).
EDUARDO
CUNHA
Os documentos revelam
personagens como
o banqueiro suíço David Muino, gestor de contas que pertenceriam ao presidente
da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e a João Henriques. Cunha nega ter
contas no exterior. Uma das contas atribuídas a Cunha foi aberta por meio da
offshore Penbur Holdings, que era administrada pela Mossack Fonseca. Os
registros da empresa correspondem exatamente à descrição feita na delação
premiada do empresário Ricardo Pernambuco. Segundo ele, Cunha teria usado a
conta em nome da Penburpara receber propina no exterior.
IDALÉCIO
DE OLIVEIRA
Além de Cunha e Henriques, a empresa
panamenha era responsável pelasempresas
offshores de Idalécio de Oliveira, o empresário português que em 2011
vendeu áreas no Benin que resultaram em prejuízo para a Petrobras. As offshores
de Idalécio foram abertas meses antes de ele fechar o acordo com a estatal.
QUEIROZ
GALVÃO
Os Panama Papers mostram que pessoas mencionadas na Lava Jato agiram com grande ousadia até recentemente. Pelo menos um dos clientes da Mossack Fonseca ligado à investigação sobre propinas na Petrobras continuou recorrendo à empresa panamenha mesmo depois de a operação ter sido deflagrada no Brasil.
Os Panama Papers mostram que pessoas mencionadas na Lava Jato agiram com grande ousadia até recentemente. Pelo menos um dos clientes da Mossack Fonseca ligado à investigação sobre propinas na Petrobras continuou recorrendo à empresa panamenha mesmo depois de a operação ter sido deflagrada no Brasil.
Carlos
de Queiroz Galvão usou
uma offshore da
Mossack com o objetivo de abrir uma conta no exterior em junho de 2014, meses
após a prisão do doleiro Alberto Yousseff, que foi o marco zero da Lava Jato.
Na época, já haviam menções à empreiteira da família no âmbito da operação.
Assinatura
de Carlos de Queiroz Galvão na abertura de uma offshore
OPERADOR
DE BRASÍLIA
Os
documentos da série Panama Papers mostram
o empresário
Milton de Oliveira Lyra Filho como beneficiário da offshore Venilson Corp,
aberta em 2013 no Panamá. A empresa não foi declarada à Receita Federal do
Brasil. Milton Lyra usou a offshore para abrir uma conta numa agência do UBS da
Alemanha. O banco finalizou sua relação com o brasileiro alguns meses depois.
Por quê? A conta de Milton estava para servir de passagem para algumas dezenas
de milhões de dólares sem explicar adequadamente a origem do dinheiro. Conhecido
por suas boas relações com políticos de Brasília, Milton Lyra confirma não ter
declarado a offshore ao Fisco. Mas diz desconhecer a suposta operação
milionária que teria provocado o fechamento de sua conta no UBS alemão.
3%
NO EXTERIOR
Os papéis da Mossack Fonseca ajudam a
entender a forma como empresas e agentes brasileiros reproduzem, lá fora, o
comportamento adotado dentro do país.
Um dos documentos obtidos na
série Panama Papers é a minuta de um contratoentre a Queiroz Galvão, uma das empreiteiras
investigadas na Lava Jato, e uma empresa offshore de um cidadão venezuelano.
Na peça, a Queiroz compromete-se
a repassar ao
dono da offshore 3% de tudo que receber do governo daquele país por uma obra de
irrigação a título de “consultoria”. Não está claro se o contrato acabou mesmo
assinado, mas seus termos são didáticos a respeito de como se davam as
negociações. Eis um extrato da minuta (clique na imagem para ampliar):
ODEBRECHT:
NOVAS CONTAS SECRETAS
Segundo os investigadores da Lava
Jato, o ex-executivo da Odebrecht Luiz Eduardo da Rocha Soares era responsável
pelo controle de empresas offshores usadas pela multinacional de origem baiana.
Ele teria utilizado os serviços da Mossack para abrir as offshores Davos
Holdings Group SA, que operou de 2006 a 2012, e Crystal Research Services
Pesquisa.
A mesma negociação da Davos também
resultou na criação de outra offshore, aSalmet Trade Corp, controlada por
Olívio Rodrigues Júnior. Ele é dono da Graco Assessoria e Consultoria
Financeira e também foi alvo da fase Acarajé da Lava Jato. As 3 empresas são
desconhecidas dos investigadores da força-tarefa brasileira.
Para o Ministério Público Federal,
Olivio e Luiz Eduardo atuavam em conjunto na operação das contas secretas da
Odebrecht. Os documentos da Mossack mostram que as empresas foram usadas para
abrir contas na Suíça, no banco PKB. Registros da Lava Jato indicam que Luiz
Eduardo foi pelo menos 23 vezes ao Panamá e outras 10 vezes ao Uruguai. Ele
está foragido da justiça brasileira.
SCHAHIN, MENDES JÚNIOR E SUZANO
SCHAHIN, MENDES JÚNIOR E SUZANO
Carlos Eduardo Schahin foi diretor do antigo Banco Schahin, vendido em
2011 ao BMG. Ele é sobrinho de Milton Schahin, presidente do grupo empresarial
que leva o nome da família.
Em 2014, Carlos foi condenado em 1ª
instância a 4 anos de prisão por ter mantido uma offshore não declarada,
chamada Hodge Hall Investments. Os documentos da Mossack mostram que Cadu,
como é conhecido, teve ainda outra offshore, aLardner Investments Ltd,
adquirida em set.1996.
A compra foi intermediada por um
escritório de advocacia do Uruguai, o CHT Auditores y Consultores. A Lardner
também tinha como sócios outros ex-executivos do Banco Schahin: Eugênio
Bergamo, Robert Van Dijk e Teruo Hyai.
No caso da Mendes Júnior, a
Mossack Fonseca abriu a Lanite Development em jan.1997, nas Bahamas.
A empresa passou 1 ano nas gavetas da Mossack até ser adquirida por Jésus
Murilo Vale Mendes, Ângelo Marcus de Lima Cota e Jefferson Eustáquio. Eles são,
respectivamente, diretor-presidente, diretor financeiro e superintendente da
empreiteira Mendes Júnior.
A família Feffer é
controladora do grupo Suzano. Manteve pelo menos 4 empresas abertas pela
Mossack Fonseca. Duas são citadas em balanços do grupo. Outras duas eram
desconhecidas do público porque, segundo o grupo Suzano, estavam apenas
declaradas ao Brasil. Ambas foram abertas na Bahamas: a Infonet
Incorporated (jan.2000) e a Calcorp Inc (ago.2000).
A Infonet era controlada por
Max Feffer, então presidente do grupo, e seus filhos Daniel, David, Jorge e
Ruben. Max era o sócio majoritário.
Já a Calcorp Inc pertence
somente a David Feffer. Em 2009, o capital autorizado da empresa
multiplicou-se. Saiu de US$ 50 mil para US$ 11 milhões. A companhia segue
ativa, segundo registros da Mossack.
Integrantes da família Feffer não
enfrentam acusações formais na Lava Jato, mas a força-tarefa investiga a compra
da Suzano Petroquímica pela Petrobras em 2007. O braço petroquímico do grupo
foi vendido à estatal por um valor 3 vezes maior que o avaliado na Bovespa. A
suspeita foi lançada em depoimento de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da
estatal preso pela Lava Jato.
Participaram da série Panama Papers os repórteres Fernando
Rodrigues, André Shalders, Mateus Netzel e Douglas
Pereira (do UOL), Diego Vega e Mauro
Tagliaferri (da RedeTV!) e José Roberto de Toledo, Daniel
Bramatti, Rodrigo Burgarelli, Guilherme Jardim
Duarte e Isabela Bonfim (de O Estado de S. Paulo).
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