Num contrato em que o Metrô apontou
perdas de mais de R$ 300 milhões, o governo de Geraldo Alckmin (PSDB) fez um
acordo com a multinacional francesa Alstom no qual perdoou dívidas que somam R$
116 milhões e aceitou que o produto contratado seja entregue até 2021, com dez
anos de atraso.
A medida foi adotada em janeiro este
ano, período em que o Metrô passa por uma grave crise financeira.
O produto é um sistema digital que
visa diminuir o intervalo entre os trens, de modo a agilizar o transporte dos
passageiros, reduzir a superlotação e aumentar o número de usuários. É
conhecido nos meios técnicos como CTBC (Controle de Trens Baseado em Comunicação).
As relações da Alstom com tucanos são
investigadas desde 2008, quando surgiram indícios de que a multinacional
francesa teria pago propina entre 1998 e 2003 para fechar contrato com estatais
de energia, no governo de Mário Covas. Oito anos depois, o processo ainda não
foi julgado.
O acordo foi fechado em uma câmara
arbitral, sistema que substitui a Justiça e é recomendado pelo Banco Mundial,
por gerar decisões mais rápidas. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE), órgão de
defesa do Executivo, representou o governo Alckmin.
A arbitragem teve início em 2013 sob
sigilo, como previa o contrato, mas a Folha obteve acesso ao acordo, pois
uma lei de 2015 passou a obrigar os governos a dar publicidade às arbitragens
que envolvam recursos públicos.
O sistema da Alstom foi contratado em
2008, no governo de José Serra (PSDB), por R$ 780 milhões, para melhorar a
eficiência das linhas 1-azul, 2-verde e 3-vermelha.
A entrega estava prevista para 2011,
foi adiada para o ano seguinte e, após a assinatura do acordo, funciona em
tempo integral só na linha 2 verde. Nas outras duas linhas, o cronograma de
entrega se estende até 2021.
Em razão dos atrasos, o Metrô aplicou
a partir de 2012 multas de R$ 78 milhões e ameaçava romper o contrato.
A multinacional francesa, por sua vez,
alegava que o Metrô não fizera as obras físicas nas três linhas para que o
sistema digital fosse implantado. Afirmava também que a companhia queria um
produto muito mais sofisticado do que estava previsto no contrato.
A Alstom então solicitou que a disputa
fosse resolvida por meio de arbitragem. O caso foi para a Corte Internacional
de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional em janeiro de 2013.
O Metrô defendia que os atrasos
provocaram perdas de R$ 289,1 milhões para a companhia. Já a Alstom argumentava
que os atrasos e a exigência de novas funções aumentara o valor do contrato em
R$ 173,1 milhões.
Em agosto do ano passado, as empresas
pediram a suspensão da arbitragem porque discutiam um acordo, que acabou
homologado em 27 de janeiro deste ano.
No acordo, o Metrô e a Alstom desistem
dos valores que reivindicavam, inclusive da multa de R$ 78 milhões.
Ao ser questionado sobre o que ocorreu
com a diferença de R$ 116 milhões entre os valores que as empresas pediam a
Secretaria de Transportes Metropolitanos, à qual o Metrô é subordinado,
limitou-se a afirmar que "os valores foram tratados como referência para
discussão em arbitragem, algo natural nesse tipo de litígio".
Já a Alstom não quis se pronunciar
sobre o acordo.
A arbitragem custou US$ 536.785 (o
equivalente a R$ 2,17 milhões, quando se corrige o valor pela cotação do dia da
homologação) para as duas empresas.
O caso do sistema de controle digital
também foi levado pelo Metrô ao Tribunal de Contas do Estado, que atualmente
analisa o contrato.
Em manifestação protocolada no
tribunal em junho do ano passado, o Metrô alegou que teve perdas de R$ 315
milhões -R$ 26 milhões a mais em relação ao montante apresentado na arbitragem.
Só com a receita perdida com a
"demanda de usuários reprimida e prejuízo decorrente de trens
parados" a companhia afirmou ter verificado um prejuízo de R$ 307,7
milhões.
Segundo o ofício do Metrô, à época a
Alstom pleiteava valores que somavam R$ 245,9 milhões, um aumento de R$ 72,8
milhões em relação ao montante discutido na corte de arbitragem.
O maior valor da conta da Alstom
informada pelo Metrô ao Tribunal de Contas referia-se a novas funções para o
sistema: R$ 167 milhões. O Metrô e a Alstom não responderam por que os valores
discutidos na corte de arbitragem são diferentes daqueles apresentados ao
Tribunal de Contas.
Matéria publicada na Folha de SP pelos jornalistas Mario Cesar Carvalho e Flávio Ferreira no dia 24/07/2016 - Caderno Poder.
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