A exaltação aos protagonistas do
fenômeno apelidado Operação Lava Jato não faz justiça a um herói quase anônimo
dessa história: os jornalistas, que deixaram a cômoda posição de meros
observadores para se tornarem participantes ativos do processo.
Nessa gangorra, a notícia alavanca o
inquérito, que gera outra notícia, que dá à luz a denúncia, que, por sua vez,
proporciona manchetes. Na falta de investigação, suposição vira verdade
absoluta com a publicação da notícia.
A Revolução Judicial brasileira segue
a trilha da Revolução Cultural Chinesa: denuncismo, execração e condenações sem
julgamento. Falta queimar livros.
Uma nota destinada a um colunista
virou inquérito. Nela, o banqueiro André Esteves, o ex-deputado Eduardo Cunha e
outras três pessoas reuniram-se na casa de um empresário para festejar uma lei
que beneficiou o BTG. O colunista acrescentou: existem fotos da festa.
Pelo favor, o banqueiro teria pagado
R$ 45 milhões ao deputado. Nada disso ocorreu. Mas a intriga levou André
Esteves para a cadeia. A onda moralista que já respondeu por nomes como
macarthismo, inquisição ou fascismo avança. Quem é contra pode ganhar no peito
uma estrela de David, como as que distinguiam judeus sob o nazismo.
Enquanto o ministro Gilmar Mendes
manteve o perfil condenador, era herói nacional. Foi questionar o atropelamento
do direito, a demagogia e o populismo judicial para se tornar alvo de graves
acusações. O Gilmar 1.0 tinha a mesma mulher, a mesma carranca e a coragem do
Gilmar 2.0. Foi mudar de discurso para se tornar "inimigo do Brasil".
No topo da hierarquia das fontes,
Rodrigo Janot disse em rede nacional que uma gravação indicava atos criminosos
praticados por ministros do STF, uma mentira rasteira. Disse também que o
acordo de delação da JBS seria anulado porque o delator omitiu a gravação que
ele próprio entregou quando ainda tinha 60 dias para completar informações.
Ninguém notou, claro.
O conluio comporta entrevistas
coletivas em off para vazamentos seletivos. De assessores de imprensa,
repórteres tornaram-se operadores das operações.
Um juiz condena executivos de uma
empresa por atos praticados por administradores de outra. Dinheiro depositado
na conta de uma pessoa, por informações do Coaf (Conselho de Controle de
Atividades Financeiras), aparece no inquérito do MPF (Ministério Público
Federal) como tendo beneficiado outra.
Comentaristas e oportunistas que
trabalham com informação de segunda mão avalizam os erros cheios de fúria,
irados.
Para ressuscitar a malfadada Castelo
de Areia, depois de meses tentando comprar um acordo com o MPF, Antonio Palocci
topou encenar uma fantasia: a de que o trancamento da "operação" foi
comprado. E acusou um juiz que nem sequer participou da decisão. Quem pagou,
como pagou, onde pagou não interessa.
O jogo mudou o eixo de poder nas
redações. Os profissionais mais valorizados do mercado são os que têm relações
com procuradores. O preço: divulgar a informação oficial como verdade absoluta.
Os jornalistas que integram a "força-tarefa" são os roteiristas da
Lava Jato.
O processo judicial está sob
julgamento moral não da norma jurídica. Fatos apenas constrangedores são
promovidos à condição de "escândalo".
Ao descrever a chama de um fósforo
como incêndio na floresta amazônica, a imprensa leva um general voluntarista a
dizer que os militares podem tomar o poder para conter tanta corrupção. Se um
general não compreende a ilusão de ótica produzida pelo populismo de
jornalistas que fraudam notícias, quem compreenderá?
Márcio Chaer é jornalista e
assessor de clientes acusados na Operação Lava Jato.
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