Esses são os dados essenciais
para se entender um conflito que colocou a Espanha no momento político mais
complicado em 40 anos de democracia
A Espanha está vivendo
o momento político mais complicado após a queda, em 1975, da ditadura militar
que governou o país durante 40 anos. O intento dos nacionalistas catalães
de convocar de
forma unilateral um referendo de independência declarado ilegal
pela Justiça causou um enorme racha com o resto da Espanha e dentro da
própria Catalunha.
O Governo espanhol enviou uma grande força policial à região, no canto nordeste
do país, e prendeu
vários dirigentes políticos que comandavam a organização do plebiscito.
Apesar disso, as autoridades catalãs insistem na sua desobediência e tentarão
realizar o referendo no domingo próximo, dia 1º de outubro. A tensão é
muito grande, com protestos diários nas ruas de Barcelona e outras
cidades da região, enquanto no resto da Espanha a posição de força do Governo
de Madri (Partido Popular, centro-direita) tem um amplo apoio político e
social.
A Catalunha nunca foi uma nação
independente, mas tem há muito um Governo próprio, conhecido como Generalitat.
Ela estava integrada dentro do reino de Aragão, cuja unificação com Castela, em
1492, deu origem ao nascimento da Espanha. Tem uma língua própria, falada pela
maioria da população. A Catalunha sempre foi uma das regiões mais ricas do país
e uma das primeiras a conseguir o desenvolvimento industrial. Ao longo do
século XX, milhares de espanhóis de outras regiões emigraram para lá na procura
de empregos. Sua economia soma hoje 19% do PIB da Espanha e seus 7,5 milhões de
habitantes representam 12% da população espanhola.
O sentimento nacionalista cresceu na
segunda metade do século XIX e consolidou-se no início do século XX. Nos anos
30 a Catalunha conseguiu autonomia política dentro da República espanhola e os
nacionalistas governaram a região. Após um golpe militar em 1936 e três anos
da Guerra Civil, o general Franco tomou o poder e resistiu
nele ao longo de 40 anos. A Catalunha, como o resto do país, viveu sob a
repressão. O poder ficou totalmente centralizado em Madri e o uso oficial do
idioma catalão foi proibido.
A morte de Franco trouxe a democracia.
A nova Constituição deu à Catalunha uma grande autonomia política e reviveu
a Generalitat. Desde então o partido majoritário foi quase
sempre o nacionalista conservador Convergência e União (CiU) que, ainda que
lutava por conseguir mais poder para a região, não defendia posições
independentistas e até assinava frequentes acordos políticos em Madri com os
grandes partidos espanhóis.
O atual enfrentamento começou em 2010,
em um momento no que a Espanha estava vivendo uma profunda crise econômica que
afetou com especial virulência a Catalunha. Quatro anos antes, os catalães
aprovaram em referendo uma nova lei autônoma (Estatuto) que ampliava os poderes
da Generalitat e definia a Catalunha como uma nação dentro da
Espanha. O conservador Partido
Popular fez uma barulhenta campanha em todo o pais contra a
nova lei catalã e apresentou um recurso no Tribunal Constitucional espanhol, o
qual cortou consideravelmente o Estatuto e não permitiu o uso da palavra nação.
Após a sentença, dezenas de milhares de catalães saíram às ruas para protestar
na maior manifestação na democracia em Barcelona. A partir desse momento, a
escalada do conflito só aumentou.
Desde então, os independentistas se
esforçaram para reunir multidões em manifestações convocadas
sempre em 11 de setembro, o Dia da Catalunha. Em 2012, ainda em meio
à crise econômica e com muitos protestos contra os cortes nas despesas
públicas, o presidente regional, Artur Mas, da CiU, disse publicamente que era
hora de ter estrutura própria de Estado. Artur Mas, alvo de fortes críticas por
sua política de austeridade econômica, alegou que os catalães já estavam
cansados de gastar dinheiro para contribuir com o caixa da Espanha. “Não existe
batalha mais urgente do que a soberania fiscal de nosso país... Produzimos
recursos e riqueza suficientes para vivermos melhor do que vivemos”, disse.
Pela primeira vez, um movimento até então muito minoritário via seus anseios
refletidos em um presidente que prometia “plenitude nacional”. E que culpava o
Governo de Madri por todos os seus problemas.
Dias depois, Artur Mas levou ao
Parlamento uma lei para convocar um referendo de independência, mas fracassou.
Logo depois convocou eleições antecipadas. Perdeu 12 cadeiras no Parlamento
regional que foram majoritariamente para o partido que sempre defendeu a
independência, Esquerda Republicana de Catalunha (ERC). Assim a demanda
nacionalista se radicalizou. Em 2013, CiU e ERC combinaram um referendo. A
grande maioria dos partidos espanhóis e os catalães não nacionalistas recusaram
apoiar esse plebiscito. O seu argumento sempre foi que a Constituição espanhola
impede a uma região de votar para se separar da União. Mesmo assim o
referendo foi realizado em 9 de novembro de 2014. Como a
iniciativa havia sido denunciada diante da Justiça pelo Governo central, com o
apoio dos partidos contra a independência, a Generalitat deixou de chamá-lo de
referendo e passou a denominá-lo “processo participativo”. Para evitar se expor
a uma inabilitação judicial, os governantes catalães deixaram que a consulta
fosse organizada por voluntários. A votação ocorreu com urnas de papelão. Os
partidos não independentistas boicotaram e pediram que suas bases não
participassem. No final votaram 2,3 milhões de pessoas de um censo estimado de
5,4 milhões de catalães. Dentre eles 80,76% foram a favor da independência.
Paralelamente, foram descobertos casos
de corrupção que minaram o partido de Artur Mas. A polícia e a Justiça
desvendaram que a CiU costumava cobrar 3% de propina em obras públicas. Jordi
Pujol, presidente durante duas décadas, padrinho político de Mas e a grande
figura do nacionalismo catalão desde a queda da ditadura, teve que reconhecer
que escondeu uma fortuna no paraíso fiscal de Andorra, e acabou sendo acusado
de lavagem de dinheiro e crime fiscal.
Artur Mas voltou a convocar eleições
em 2015 e formou uma grande coligação nacionalista com a ERC, chamada Juntos
pelo Sim. O seu objetivo era fazer dessas eleições um plebiscito a favor da
independência. Embora os
partidários da separação da Espanha não tenham conseguido chegar a 50% dos
votos, somaram à maioria de deputados no Parlamento regional,
entre o Juntos pelo Sim e uma agremiação nova, a Candidatura de Unidade Popular
(CUP). A CUP, anticapitalista e defensora de uma estratégia radical de
ruptura com a Espanha, obrigou Artur
Mas a abandonar a presidência em troca de seu apoio para poder governar. O
dirigente nacionalista foi substituído por outro membro de Convergência mais
claramente independentista, Carles Puigdemont.
Apesar dos protestos dos partidos na
oposição e das advertências do Governo, advogados, juízes, empresários e
instituições europeias, os partidos independentistas aprovaram no dia 7 de
setembro deste ano uma lei para convocar um referendo em 1º de outubro. E o
fizeram impedindo as emendas da oposição, que, por sua vez, acabou abandonando
suas cadeiras no Parlamento.
No mesmo dia, o Tribunal
Constitucional espanhol suspendeu em caráter de urgência essa lei. No dia
seguinte, os independentistas aprovaram outra lei, chamada de desconexão, que
contempla todos os passos para a proclamação da República da Catalunha. Também
foi suspensa pelo Tribunal Constitucional.
As pesquisas de opinião mostram que a
população catalã está muito dividida, sem uma maioria clara a favor da
separação da Espanha. Segundo o último levantamento feito pelo próprio Governo
catalão, há dois meses, 49% eram contra a independência, e 41% a favor. Mais uma
pesquisa realizada na última semana pela empresa Metroscopia para o EL PAÍS salientou
que 61% acham que o referendo convocado para o 1º de outubro não é válido
legalmente. Porém 82% desejam que os governos de Madri e Barcelona negociassem
um acordo para realizar um plebiscito dentro da legalidade. Para isso, seria
preciso a abertura dum processo de diálogo. Mas faz muito tempo que as conversas
entre as duas partes foram interrompidas.
Artigo publicado no Jornal El Pais - Espanha
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